Isys Marcondes



Nome Próprio

Era um evento. Aos sábados e domingos, sempre depois das seis da tarde, eu sabia que iria encontrá-la à porta da padaria Santa Efigênia, no centro de São Paulo, cuidando da segurança e da recepção amistosa dos clientes de lá. Pensava sempre se iria ou não vê-la com o turbante colorido que a deixava mais linda e a mim mais intrigada. Essa mulher tem alguma relação especial com a beleza, eu pensava. Ela também tinha as unhas sempre pintadas, sombra dourada e cílios longuíssimos.

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Sem turbante, deixava exposta a cabeleira afro – da última vez que a vi, trazia apliques sintéticos cor de ouro fosco. Nas noites frias usava um sobretudo que potencializava a força da sua imagem negra e tranquila. Você é muito bonita, viu?, eu disse a ela uma noite, quando saía da Santa Efigênia. Ela sorriu, ficou tímida, mas era aquela timidez sólida e despretensiosa, a que nasce da surpresa pelo elogio abrupto recebido, e não pela verdade nele expressada. Ela me olhou nos olhos e sorriu, e me agradeceu, lisonjeada e segura da harmonia estética que leva no rosto e no corpo todo, especialmente no movimento gentil das mãos e da espinha sempre ereta. E então eu tive certeza de que ela possuía uma relação especial com a beleza.

Isys Marcondes

Suprassumo

Isys Marcondes levou algum tempo para chegar ao ponto que motivou aquela entrevista. A conversa durou pouco mais de uma hora, e lá pelo minuto 35 da gravação, uma pergunta prosaica abriu a arca de Isys:
- Mudando completamente de assunto, Isys (falávamos sobre trabalho), qual é a sua altura?
- Hoje tenho 1,76, mas já tive 1,79.
- Como assim “já teve”?
- É, meu bem, a gente fica mais velha, engorda e encolhe (risos).
- Mas seu corpo é super proporcional hoje.
- É, mas com 1,79 eu cheguei a pesar 54 kg.
- Nossa, você era muito magra...
- Pois é.
- Por quê?
- (pausa com um sorriso) Porque além de já ter sido funcionária pública, professora e agora segurança, eu já fui manequim de passarela.
- Ahh, então agora está tudo explicado.

Estar segurança da padaria Santa Efigênia não é algo que a incomode, mas tampouco Isys se vê no emprego por muito mais tempo. É só um bico enquanto se recupera da lesão na mão que a afastou do seu trabalho do coração como professora primária. Não nega desafios, e sabe que a necessidade faz a realidade. Mas quando fala da época em que fora manequim, Isys, de 55 anos, suspende a segurança e a professora pra sonhar com o passado – e quiçá um futuro – de desfiles e fotos.

Era lindo quando ela subia na passarela. A pele negra, lisa e macia – um chocolate mordível – chamava sempre a atenção entre os corpos invariavelmente brancos. Mas essa aten- ção, no fim dos anos 70, quando Isys começou a desfilar, era ainda curiosidade antropológica. O espaço para supertops estava reservado às peles claras, somente. Não importava. Ela passava bem. Desfilou para diferentes grifes durante quatro Fenit seguidas – primeiro e um dos mais importantes eventos de moda brasileiro. O cabelo afro, por si, lhe rendia trabalhos exclusivos de fotos – modelo de cabelo. E a pele, essa mordível, lhe garantia trabalhos como modelo de pele para empresas de cosméticos.

Isys Marcondes

Difícil era quando Isys tinha que entrar nas calças tamanho 42 da Levi’s para desfilar. Enquanto suas iguais de passarela comiam cenoura no vapor para não crescer um centímetro em parte alguma do corpo, Isys comia feijoada e tudo mais que fosse calórico. Eram três meses de regime de engorda até seu manequim 36 ascender ao 42.

Moldura

Foi um amigo de Isys quem lhe disse que ela deveria aproveitar o potencial de beleza e altura como manequim - pela mãe, Isys seria comissária de bordo, mas seu medo de altura não a fazia sentir-se atraída pela profissão. E foi o mesmo amigo quem lhe disse que seu nome de batismo, Izildinha, não combinava com seu porte e personalidade, e que ela deveria chamar-se Isys, assim, com Y, por questões de numerologia. E o amigo estava certo tanto em relação ao nome – basta olhar para Isys e ver que o novo nome, adotado em 1977, a anuncia melhor que Izildinha – quanto em relação à vocação para a beleza. Isys matriculou-se num curso de manequim de um dos Senacs de São Paulo. Tinha aulas de passarela, etiqueta e maquiagem. Aladia Centenaro foi sua professora de balé. Depois de formada, Isys mesma foi ser professora de manequins – perdeu as contas de quantas pessoas formou em cinco anos de profissão.

Isys Marcondes

Isys deixou a passarela há 23 anos, quando teve Mayara, sua primeira e única filha. A casa é feminina. Ela, a filha, uma poodle e duas bassês. Homem é circunstância – Isys é completa. Colocar outro sobrenome na frente do meu? Tá doida?. Ela tem nome próprio, Próprio. Isys sonha com novos trabalhos, mas vive o hoje. Está segurança. Do passado, preserva o apuro estético. Está sempre muito bem maquia- da, a roupa à altura de sua altura, a cerviz altiva. E o movimento das mãos, de tão harmônico, desenha ao redor de Isys infinitas molduras para sua beleza.

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Isys Marcondes